STJ abre divergência sobre distratos imobiliários e reacende debate entre o Código de Defesa do Consumidor e a Lei do Distrato

Redação

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) abriu uma nova frente de discussão sobre distratos imobiliários, ao proferir duas decisões recentes e divergentes sobre o tema. Enquanto a Terceira Turma reforçou que o consumidor que desiste da compra de um imóvel ou terreno tem direito à devolução imediata dos valores pagos, com retenção máxima de 25%, a Quarta Turma adotou posição contrária, validando multa de 10% sobre o valor total do contrato e taxa de fruição, mesmo em terrenos sem construção.

A divergência recoloca no centro do debate o conflito entre o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e a Lei nº 13.786/2018 (Lei do Distrato), e pode impactar milhares de contratos de compra e venda de imóveis em todo o país.

“Existe um conflito de normas muito claro. Antes da Lei do Distrato, o STJ aplicava de forma pacífica o entendimento de que, quando o comprador desiste, seja de um apartamento na planta ou de um terreno em loteamento, a multa máxima seria de 25% do valor pago. A base legal era o artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor”, explica o advogado Antonio Carlos Tessitore, especialista em direito imobiliário e sócio da Tessitore Advocacia.

Segundo ele, a Lei do Distrato de 2018 alterou esse cenário ao prever penalidades maiores (chegando a 50% do valor pago nos casos de imóveis na planta) e instituir a taxa de fruição e multa sobre o valor total do contrato, espécie de aluguel cobrado mesmo quando o imóvel não é utilizado, para os casos de terreno em loteamento.

“A Terceira Turma, sob relatoria da ministra Nancy Andrighi, reafirmou o entendimento de que o CDC deve prevalecer sobre a Lei do Distrato, justamente para evitar que o consumidor perca tudo o que pagou. Já a Quarta Turma seguiu caminho oposto, reconhecendo a validade de penalidades que, na prática, podem deixar o comprador sem qualquer restituição”, pontua Tessitore.

O especialista alerta que a cobrança da taxa de fruição em terrenos sem edificação é uma das maiores incongruências do novo entendimento.

“O STJ já havia reconhecido que a taxa de uso só poderia ser cobrada se houvesse efetiva utilização do imóvel. Em terrenos onde não há como morar ou construir, não faz sentido falar em fruição. Essa nova decisão, portanto, rompe com a coerência que o próprio tribunal vinha mantendo”, conclui.

Com os entendimentos conflitantes, o tema deve ser analisado pela Segunda Seção do STJ, que reúne as duas turmas responsáveis por julgar matérias de direito privado, para uniformizar a jurisprudência.

Contexto do mercado

O tema ganha relevância num momento em que o Brasil vive um novo ciclo de compra e desistência de imóveis. O aumento do crédito imobiliário e o encarecimento das parcelas, devido à alta dos juros, têm levado muitos consumidores a rescindir contratos.

Segundo levantamento da Abrainc, cerca de um em cada quatro contratos de imóveis na planta foi distratado em 2024.

Impacto da divergência

Na prática, as decisões podem definir se o consumidor continuará tendo direito à restituição imediata e proporcional dos valores pagos (conforme vinha decidindo o STJ) ou se passarão a prevalecer as regras mais rígidas da Lei do Distrato, que favorecem as construtoras.

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